Carro Elétrico é o futuro. Menos no Brasil
“A frota de elétricos na Europa será maior que a de carros a combustível. Se continuarmos sem apoio do governo, só o Brasil estará na contramão dessa evolução” - Paulo Roberto Feldmann
TEXTO Alexandre Carvalho dos Santos
FOTO Luciana Ruffato
Professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, além de presidente do Conselho da Pequena Empresa da Fecomercio/SP, Paulo Roberto Feldmann acredita que o Brasil reúne as melhores condições para a viabilização e a disseminação do carro elétrico. Nossa fonte de energia é a força das águas que movem nossas hidrelétricas, não o carvão que polui outros gigantes emergentes, como a China. Então por que a questão do carro elétrico, no País, caminha a um ritmo tão lento em comparação com a Europa – e até em vizinhos como Uruguai e Argentina? Feldmann tem algumas respostas – muito sérias – para essa pergunta. Estudioso do assunto, ele comanda um projeto pioneiro que visa a dimensionar o impacto de um país repleto de carros elétricos para a rede de energia. O projeto vai bem, obrigado. Tem meio ano de pesquisas e estudos, e mais cerca de meio ano para sua conclusão, já com diversos conhecimentos gerados. O problema é outro: por enquanto, não há nenhum empenho governamental para que tenhamos esse tipo de veículo não-poluente rodando em nossas ruas.
Por quê? Você vai saber agora.
Revista CESVI: Como surgiu esse estudo que vocês estão desenvolvendo?
Professor Feldman: Surgiu graças à EDP, que é uma empresa portuguesa responsável pela distribuição de energia elétrica em boa parte do Estado de São Paulo e no Espírito Santo inteiro. Aqui em São Paulo, ela tem o nome de Bandeirante. É uma empresa entusiasta do carro elétrico, porque em Portugal há mais de 30 mil carros elétricos puros circulando. Há dois anos, essa empresa acreditou que o carro elétrico logo seria uma realidade no Brasil. Com o intuito de se preparar para essa possibilidade, contratou uma parceria entre nós da Fundação Instituto de Administração (FIA) da USP, o Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP e uma empresa chamada Sinapsis Inovação, para estudar os impactos desse tipo de carro na rede elétrica. Nós, da FIA, ficamos responsáveis pela análise da viabilidade econômica, a montagem de cenários
futuros e os modelos de negócio apropriados.
Revista: Em que pé está o projeto?
Professor: Falta meio ano para terminarmos. Temos um eletroposto de carga lenta e de carga rápida, aqui na USP, que abastece taxistas com carros elétricos puros, que nos fornecem dados para o estudo. Com as informações que já temos, derivadas de diversas análises, vamos fazer um workshop, entre março e abril, para discutir o projeto e apresentá-lo para autoridades do setor elétrico. Queremos colocar na mesa a discussão de por que o Brasil não tem políticas públicas para o carro elétrico. O projeto em si está muito bem. Quem não está bem é o carro elétrico no País.
Revista: Por quê?
Professor: Olha, é uma vergonha, um vexame internacional. Proporcionalmente, nós somos o país com menor número de carros elétricos no mundo todo. A China tem entre 600 mil e 700 mil, o Japão tem 300 mil. E estou falando de carros elétricos puros, fora os híbridos. Enquanto isso, o Brasil tem 70 carros elétricos puros. Não estou falando em 70 mil, são 70 mesmo. É lamentável, porque o carro elétrico está cada vez mais consolidado como a grande forma de reduzir a emissão de CO2 na atmosfera.
Revista: O que falta para o Brasil se mexer nesse sentido?
Professor: O grande problema é o lobby do etanol. O governo Lula anunciou, no fim da gestão, que a política de fomento ao carro elétrico estava pronta e seria anunciada imediatamente. O que aconteceu? A associação de classe dos produtores de álcool correu para influenciar o governo, e as medidas foram engavetadas. E isso é um problema, porque enquanto o mundo inteiro vai migrar para o elétrico, o Brasil vai ser dos únicos a insistir numa política de favorecer o petróleo e o etanol. A BYD (Build Your Dream), que é a maior fabricante de carros elétricos do mundo, está abrindo uma fábrica no Uruguai. Não abriu no Brasil porque aqui não tem nenhuma política pública de incentivo.
Revista: Que medida poderia render esse incentivo?
Professor: Por exemplo, na China, para cada carro elétrico, há quase US$ 10 mil de redução de impostos. É por isso que tem centenas de milhares de carros elétricos lá. Na França, o cidadão parisiense pega o carro elétrico em determinados parques e estacionamentos, usa um cartão para entrar no carro e usá-lo, circula com o carro e, no fim do dia, devolve o automóvel. São milhares de carros elétricos à disposição da população, graças a uma medida da prefeitura de Paris. Mas hoje, no Brasil, é completamente inviável ter um carro elétrico, já que custa cerca de R$ 200 mil. É preciso ter um incentivo fiscal para as pessoas se animarem a comprar.
Também é preciso que o cidadão encontre lugares para carregar a bateria...
Aí temos o problema do ovo e da galinha. Quem é que vai investir numa rede de
abastecimento específica se o governo não faz nada para que tenhamos carros elétricos nas ruas? Em Portugal, o governo bancou. Há um ano, havia mais de mil eletropostos nas ruas portuguesas. E, quando a gente começou esse projeto, Israel, que tem uma área minúscula perto do Brasil, tinha mais de 2 mil eletropostos. Lá, o governo também investe porque acredita que tornar o petróleo desnecessário é uma forma de enfraquecer os países árabes. Mas o abastecimento não precisa ser patrocinado pelo governo. As empresas de energia estão dispostas a bancar. Mas elas têm de visualizar que vai ter carro na rua para abastecer. Pelo nosso estudo, um táxi, para encher a bateria, paga só R$ 7. Os taxistas têm dito que rodam por volta de 115 quilômetros em São Paulo com esses R$ 7. É altamente vantajoso em relação à gasolina.
Revista: E em relação ao tempo gasto para encher a bateria?
Professor: Há cerca de dois anos, quase só tínhamos o modelo de carga lenta, que leva de seis a oito horas para deixar o carro totalmente carregado. Mas a tecnologia quanto ao carro elétrico está mudando muito rapidamente, e hoje já trabalhamos também com o modelo de carga rápida, que carrega a bateria em torno de 20 a 25 minutos. Logo, vai ficar ainda mais rápido.
Revista: O que o estudo já identificou em relação a hábitos de consumo?
Professor: A gente fez uma pesquisa com 300 pessoas sobre quais seriam esses hábitos. Em que horário ela preferiria abastecer o carro elétrico, se gostaria de abastecer em sua própria casa, ou não... Uma das conclusões é que a grande maioria vai preferir carregar seu carro de madrugada. Ela vai chegar ao prédio à noite, o prédio vai ter diversos eletropostos de carga lenta, e o carro vai ficar carregando ao longo da noite, da mesma forma que você faz com o celular. Esse é um dado muito importante, porque a empresa de energia elétrica precisa saber em que hora vai haver aumento de consumo. O pico vai mudar. Por outro lado, as pessoas vão precisar abastecer quando estiverem viajando. Então, nos países em que o carro elétrico já está consolidado, os eletropostos estão sendo instalados, preferencialmente, nas estradas. Na cidade, só os taxistas precisariam de postos de abastecimento nas ruas, porque o resto da população já poderia rodar com a carga feita à noite.
Revista: Qual o risco do Brasil ficar para trás nessa questão?
Professor: São muitos. Vamos perder o bonde da história, perder competitividade e ainda passar a imagem de país sem compromisso contra a poluição. Estima-se que, daqui a quatro anos, já teremos muitos carros nas ruas fabricados com fibra de carbono, não mais com aço. Com a fibra de carbono, o carro vai ser muito mais leve, de modo que a bateria não vai ter de ser mais tão possante nem tão pesada. Então, vai cair muito o custo da bateria. E o preço do carro elétrico, por isso, vai cair muito também. Todos os estudos apontam que o carro passará a ser de fibra de carbono entre 2016 e 2018. Por isso, o carro elétrico vai deslanchar no mundo inteiro. Mas não no Brasil, porque aqui não teremos a estrutura pronta. A expectativa é de que, lá por 2035, a frota de carros elétricos na Europa será maior que a de carros a combustível. Se continuarmos sem apoio do governo, só o Brasil estará na contramão dessa evolução.
Fonte: Revista CESVI
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Paulo Roberto Feldmann, professor da FEA-USP |
FOTO Luciana Ruffato
Professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, além de presidente do Conselho da Pequena Empresa da Fecomercio/SP, Paulo Roberto Feldmann acredita que o Brasil reúne as melhores condições para a viabilização e a disseminação do carro elétrico. Nossa fonte de energia é a força das águas que movem nossas hidrelétricas, não o carvão que polui outros gigantes emergentes, como a China. Então por que a questão do carro elétrico, no País, caminha a um ritmo tão lento em comparação com a Europa – e até em vizinhos como Uruguai e Argentina? Feldmann tem algumas respostas – muito sérias – para essa pergunta. Estudioso do assunto, ele comanda um projeto pioneiro que visa a dimensionar o impacto de um país repleto de carros elétricos para a rede de energia. O projeto vai bem, obrigado. Tem meio ano de pesquisas e estudos, e mais cerca de meio ano para sua conclusão, já com diversos conhecimentos gerados. O problema é outro: por enquanto, não há nenhum empenho governamental para que tenhamos esse tipo de veículo não-poluente rodando em nossas ruas.
Por quê? Você vai saber agora.
Revista CESVI: Como surgiu esse estudo que vocês estão desenvolvendo?
Professor Feldman: Surgiu graças à EDP, que é uma empresa portuguesa responsável pela distribuição de energia elétrica em boa parte do Estado de São Paulo e no Espírito Santo inteiro. Aqui em São Paulo, ela tem o nome de Bandeirante. É uma empresa entusiasta do carro elétrico, porque em Portugal há mais de 30 mil carros elétricos puros circulando. Há dois anos, essa empresa acreditou que o carro elétrico logo seria uma realidade no Brasil. Com o intuito de se preparar para essa possibilidade, contratou uma parceria entre nós da Fundação Instituto de Administração (FIA) da USP, o Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP e uma empresa chamada Sinapsis Inovação, para estudar os impactos desse tipo de carro na rede elétrica. Nós, da FIA, ficamos responsáveis pela análise da viabilidade econômica, a montagem de cenários
futuros e os modelos de negócio apropriados.
Revista: Em que pé está o projeto?
Professor: Falta meio ano para terminarmos. Temos um eletroposto de carga lenta e de carga rápida, aqui na USP, que abastece taxistas com carros elétricos puros, que nos fornecem dados para o estudo. Com as informações que já temos, derivadas de diversas análises, vamos fazer um workshop, entre março e abril, para discutir o projeto e apresentá-lo para autoridades do setor elétrico. Queremos colocar na mesa a discussão de por que o Brasil não tem políticas públicas para o carro elétrico. O projeto em si está muito bem. Quem não está bem é o carro elétrico no País.
Revista: Por quê?
Professor: Olha, é uma vergonha, um vexame internacional. Proporcionalmente, nós somos o país com menor número de carros elétricos no mundo todo. A China tem entre 600 mil e 700 mil, o Japão tem 300 mil. E estou falando de carros elétricos puros, fora os híbridos. Enquanto isso, o Brasil tem 70 carros elétricos puros. Não estou falando em 70 mil, são 70 mesmo. É lamentável, porque o carro elétrico está cada vez mais consolidado como a grande forma de reduzir a emissão de CO2 na atmosfera.
Revista: O que falta para o Brasil se mexer nesse sentido?
Professor: O grande problema é o lobby do etanol. O governo Lula anunciou, no fim da gestão, que a política de fomento ao carro elétrico estava pronta e seria anunciada imediatamente. O que aconteceu? A associação de classe dos produtores de álcool correu para influenciar o governo, e as medidas foram engavetadas. E isso é um problema, porque enquanto o mundo inteiro vai migrar para o elétrico, o Brasil vai ser dos únicos a insistir numa política de favorecer o petróleo e o etanol. A BYD (Build Your Dream), que é a maior fabricante de carros elétricos do mundo, está abrindo uma fábrica no Uruguai. Não abriu no Brasil porque aqui não tem nenhuma política pública de incentivo.
Revista: Que medida poderia render esse incentivo?
Professor: Por exemplo, na China, para cada carro elétrico, há quase US$ 10 mil de redução de impostos. É por isso que tem centenas de milhares de carros elétricos lá. Na França, o cidadão parisiense pega o carro elétrico em determinados parques e estacionamentos, usa um cartão para entrar no carro e usá-lo, circula com o carro e, no fim do dia, devolve o automóvel. São milhares de carros elétricos à disposição da população, graças a uma medida da prefeitura de Paris. Mas hoje, no Brasil, é completamente inviável ter um carro elétrico, já que custa cerca de R$ 200 mil. É preciso ter um incentivo fiscal para as pessoas se animarem a comprar.
Também é preciso que o cidadão encontre lugares para carregar a bateria...
Aí temos o problema do ovo e da galinha. Quem é que vai investir numa rede de
abastecimento específica se o governo não faz nada para que tenhamos carros elétricos nas ruas? Em Portugal, o governo bancou. Há um ano, havia mais de mil eletropostos nas ruas portuguesas. E, quando a gente começou esse projeto, Israel, que tem uma área minúscula perto do Brasil, tinha mais de 2 mil eletropostos. Lá, o governo também investe porque acredita que tornar o petróleo desnecessário é uma forma de enfraquecer os países árabes. Mas o abastecimento não precisa ser patrocinado pelo governo. As empresas de energia estão dispostas a bancar. Mas elas têm de visualizar que vai ter carro na rua para abastecer. Pelo nosso estudo, um táxi, para encher a bateria, paga só R$ 7. Os taxistas têm dito que rodam por volta de 115 quilômetros em São Paulo com esses R$ 7. É altamente vantajoso em relação à gasolina.
Revista: E em relação ao tempo gasto para encher a bateria?
Professor: Há cerca de dois anos, quase só tínhamos o modelo de carga lenta, que leva de seis a oito horas para deixar o carro totalmente carregado. Mas a tecnologia quanto ao carro elétrico está mudando muito rapidamente, e hoje já trabalhamos também com o modelo de carga rápida, que carrega a bateria em torno de 20 a 25 minutos. Logo, vai ficar ainda mais rápido.
Revista: O que o estudo já identificou em relação a hábitos de consumo?
Professor: A gente fez uma pesquisa com 300 pessoas sobre quais seriam esses hábitos. Em que horário ela preferiria abastecer o carro elétrico, se gostaria de abastecer em sua própria casa, ou não... Uma das conclusões é que a grande maioria vai preferir carregar seu carro de madrugada. Ela vai chegar ao prédio à noite, o prédio vai ter diversos eletropostos de carga lenta, e o carro vai ficar carregando ao longo da noite, da mesma forma que você faz com o celular. Esse é um dado muito importante, porque a empresa de energia elétrica precisa saber em que hora vai haver aumento de consumo. O pico vai mudar. Por outro lado, as pessoas vão precisar abastecer quando estiverem viajando. Então, nos países em que o carro elétrico já está consolidado, os eletropostos estão sendo instalados, preferencialmente, nas estradas. Na cidade, só os taxistas precisariam de postos de abastecimento nas ruas, porque o resto da população já poderia rodar com a carga feita à noite.
Revista: Qual o risco do Brasil ficar para trás nessa questão?
Professor: São muitos. Vamos perder o bonde da história, perder competitividade e ainda passar a imagem de país sem compromisso contra a poluição. Estima-se que, daqui a quatro anos, já teremos muitos carros nas ruas fabricados com fibra de carbono, não mais com aço. Com a fibra de carbono, o carro vai ser muito mais leve, de modo que a bateria não vai ter de ser mais tão possante nem tão pesada. Então, vai cair muito o custo da bateria. E o preço do carro elétrico, por isso, vai cair muito também. Todos os estudos apontam que o carro passará a ser de fibra de carbono entre 2016 e 2018. Por isso, o carro elétrico vai deslanchar no mundo inteiro. Mas não no Brasil, porque aqui não teremos a estrutura pronta. A expectativa é de que, lá por 2035, a frota de carros elétricos na Europa será maior que a de carros a combustível. Se continuarmos sem apoio do governo, só o Brasil estará na contramão dessa evolução.
Fonte: Revista CESVI
Que vergonha.
ResponderExcluirAcorda Brasil!
Segundo a USP apenas 30% de Itaipu seria necessario
ResponderExcluirpara suprir 100% da frota nacional : youtu.be/sZih4MG-5tI
Esse artigo mostra como essa opção pelos biocombustíveis é ilógica:
ResponderExcluirAre photovoltaics or biofuels better at energy conversion?
http://cleantechnica.com/2013/01/18/are-photovoltaics-or-biofuels-better-at-energy-conversion/